Dá pra derrotar soldados com paus, panelas, água fervente e pimenta? As heroínas de Tejucupapo, na Vila de São Lourenço, no município de Goiana, Zona da Mata de Pernambuco, conseguiram. Foi com essa estratégia que acabaram com os invasores holandeses, em 1646. Elas protagonizaram o primeiro registro histórico brasileiro de participação de mulheres em um conflito armado de resistência à ocupação estrangeira.
De acordo com os registros históricos, a Holanda conquistou parte do território do Nordeste brasileiro, entre o Estado de Sergipe até o Maranhão, durante um período de 16 anos. A cobrança de altos impostos pela Companhia das Índias Ocidentais, que administrava a colônia, e o fim do governo do conde Maurício de Nassau, convocado de volta à Holanda pela empresa, levaram portugueses e pernambucanos a agirem. Em 1645, havia começado a tomar corpo a Insurreição Pernambucana, um movimento que culminou com a expulsão total dos holandeses do território nove anos mais tarde na Batalha dos Guararapes.
No dia 23 de abril de 1646, mortos de fome, os soldados holandeses invadiram a vila de São Lourenço de Tejucupapo atrás de comida. Esperaram o momento em que poucos homens estariam por lá, mas não contavam com a bravura e a criatividade das mulheres do vilarejo.
Sob a liderança de Maria Camarão, Maria Quitéria, Maria Clara e Maria Joaquina, as demais mulheres jogaram uma mistura de água fervente e pimenta amassada no rosto dos inimigos, quando os holandeses passavam nas trincheiras que haviam construído. Eles caíram ao chão e foram golpeados com paus, facas e instrumentos de pesca pelos poucos homens que ainda estavam na vila. Relatos afirmam que mais de 300 holandeses morreram na batalha. Assim, conquistaram o título de heroínas por terem afugentado 600 holandeses e passaram a ser o símbolo de luta em defesa dos direitos das mulheres.
Há 25 anos essa história passou a ser relatada através da enfermeira aposentada, Luzia Maria da Silva, 75 anos, por meio da Associação Teatral Heroínas de Tejucupapo. A ideia para produzir o episódio partiu de uma promessa que ela realizou quando esteve muito doente e ouviu o relato sobre a história de Tejucupapo. Ao restabelecer a sua saúde ela conseguiu recontar a história a partir de muitas pesquisas em livros. Logo, conseguiu escrever o roteiro e organizou a primeira apresentação.
Anualmente, no último domingo de abril, cerca de 300 pessoas se envolvem no evento para reviver esse capítulo da História brasileira. No elenco as mulheres da região, muitas pescadoras, marisqueiras, aposentadas e donas de casa, se transformam em atrizes e participam do grande teatro ao ar livre. A encenação acontece na Fazenda Megaó, local histórico onde ocorreu o embate com os holandeses.
Luzia Maria ressalta que a essas mulheres defendiam a ocupação da Vila de São Lourenço, a vida de seus familiares e a instalação de um governo legitimamente pernambucano. “As mulheres, em geral agricultoras de origem indígena, teriam se organizado a partir da liderança de Maria Quitéria, Maria Camarão, Maria Clara e Maria Joaquina. Enquanto os poucos homens que ficaram na comunidade se preparavam para o combate a tiros, as mulheres utilizaram todas as armas que tinham. Então, usaram pimenta e água quente”, relembra.
Na visão dela, esse teatro trouxe um incentivo muito grande para a mulher se livrar dos casos de violência doméstica. “As mulheres de Tejucupapo sabiam que eram heroínas, mas não sabiam os direitos que tinham. A partir do trabalho da associação passei a incentivar as mulheres sobre os seus direitos. Porque não é apenas no Dia 08 de Março, mas elas devem todos os dias gritar pelo fim da violência e o respeito as mulheres”, pontua.
O espetáculo é um movimento popular que busca fortalecer a organização das mulheres. Luzia Maria pontua que a bravura das heroínas inspira outras mulheres a buscarem lutar pelos seus direitos e conquistar os seus espaços.
Assista a encenação do Espetáculo das Heroínas de Tejucupapo: https://www.youtube.com/watch?v=w8VoOiISwBU&feature=youtu.be